Casa de Montezelo e a família Araújo Rangel
Gondomar e a família Rangel cruzam as suas histórias no século XVII, com a construção da Casa de Montezelo, em Fânzeres. Esta propriedade, construída em 1636 e classificada como imóvel de interesse público desde 1993, foi uma referência e “porto de abrigo” de figuras ímpares das letras, da cultura e da vida social portuguesa.
Logo à cabeça, e mesmo antes de entrar na Casa, somos recebidos por uma magnólia centenária que esta casa conserva desde o século XVII. Depois, por cima do portão e como que a lembrar-nos das origens desta casa, encontra-se o brasão da família Araújo Rangel, uma das maiores e mais importantes da região.
Mas afinal, quais as origens e histórias desta família, que trouxe até Gondomar nomes como Júlio Dinis, Jorge Amado, Padre Himalaia ou Gal Costa?
De Afonso Henriques à Guerra Civil
O nome Rangel leva-nos até ao início da nossa nacionalidade. Gonçalo Gonçalves foi um nobre que acompanhou Afonso Henriques, tendo sido armado cavaleiro na igreja de São João de Almedina, em Coimbra, por volta de 1125. O seu filho, Diogo Dias de Coimbra, foi governador e tesoureiro da Casa da Moeda no reinado de D.Sancho I, o que nos mostra a importância desta família na nobreza da época.
A sua família fixou-se numa quinta, situada na ribeira de Coselhas, junto a Coimbra, a que deram o nome de Ronge. Mais tarde, o lugar passou a chamar-se Rangel, dando o nome à família e respetiva casa.
A Casa de Rangel surge, assim, no século XIV com Martim Afonso de Rangel, membro importante da nobreza no reinado de D. Dinis. Possuía os títulos de senhor da Casa de Rangel, do lugar de Ferreiros e do Penso, na freguesia de São Paio de Riba de Vizela. A influência desta Casa alastraria depois a novos territórios, nomeadamente Aveiro, onde os Rangeis constituíram outro ramo da família.
A sua ligação à família Araujo surge com o casamento, já no século XVII, de D. Joanna Rangel com António de Araújo Pereira. Desta união nasceu António Thomás de Araujo Rangel, que após a união com D. Josefa Lionarda da Mesquita Pereira, torna-se senhor da quinta de São Bernardo, em Paredes.
Como era tradição entre a nobreza, o casamento era uma instituição social, através da qual se ligavam as famílias da mesma condição, para se perpetuarem e aumentarem o seu poder financeiro e influência. Os Araújo Rangel tornam-se senhores da quinta de Montezelo após a construção da mesma em 1636, adicionando esta propriedade ao património da família, que, há data, estendia-se de Aveiro até ao Minho.
Viajando no tempo, e parando já no século XIX, encontramos Joaquim de Araújo Rangel Pamplona e Castro. Filho de João Tomaz de Araújo Rangel e D. Joana de Pamplona Carneiro Rangel, união que traz a casa Pamplona, originária de Navarra, para o seio dos Araújo Rangel, este membro da família Rangel foi um militar e poeta de destaque nacional.
Coronel e Fidalgo da Casa Real, foi um fiel súbdito de D. Miguel, cuja proximidade ao futuro derrotado da Guerra Civil, valeu-lhe ser um dos convencionados de Évora Monte. Erudito, a poesia foi uma das suas paixões, tendo editado, em 1850, o livro “Os meus Versos”.
Os ilustres visitantes da casa
Caberia, no entanto, às duas filhas deste militar e poeta marcar para sempre a vida e história desta casa.
Camila Ernestina de Araújo Rangel Pamplona casou, em primeiras núpcias, com Manuel de Clamouse Browne Van Zeller, membro das famílias Van Zeller (importante família portuense que fundou a sociedade que construiria o Palácio de Cristal), Clamouse e Brown.
Por esta altura, a Casa de Montezelo torna-se local de convívio de uma elite cultural e social não só local, como nacional. Fruto da amizade com o Abade de Fânzeres, Pinto de Outeiro, a família priva com Augusto Luso e Júlio Dinis. Este último, que sabemos ter estado na freguesia gondomarense entre 1868 e 1869, ter-se-á inspirado em pessoas e vivências desta casa para escrever a obra “Os Fidalgos da Casa Mourisca”.
Também o inventor, cientista e pioneiro da ecologia em Portugal, Manuel António Gomes, imortalizado como Padre Himalaia, merece uma referência especial. Um dos maiores inventores portugueses da história, viveu na Casa de Montezelo, como preceptor dos filhos de Manuel e Camila, durante cinco anos, entre 1892 e 1897.
Em 1899, com o falecimento de Camila, Manuel de Clamouse Browne Van Zeller casa em segundas núpcias com a sua cunhada, irmã da sua falecida esposa, Emília Cristina de Araújo Rangel Pamplona, não vindo a ter filhos desta união. No entanto, dos seis filhos do primeiro casamento, destacamos um que marcou a vida social fanzerense, tendo inclusivamente “renomeado” a propriedade.
Maria Júlia de Clamouse Browne Van Zeller, ficou para a história de Fânzeres como a “menina Júlia”. Ainda hoje, podemos ouvir histórias sobre a sua valentia, de como gostava de caçar de arma em punho, ou, de como era generosa, distribuindo fruta e alimentos pelos mais necessitados. Nos dias de hoje, é ainda comum, quando se pedem indicações para chegar a esta bela propriedade, alguém nos indicar o caminho para a “quinta da menina Júlia”.
A casa de Montezelo passou depois por um período difícil, tendo sido alienada pela família Araújo Rangel. Adquirida por proprietários de uma serração em Fânzeres, em claro estado de abandono, foi Alexandre Rangel Pamplona, que, em 1981, a compra de novo e transmite à sua filha Margarida. Após uma profunda recuperação e restauro, voltou a ser lar da família Araújo Rangel e palco de encontros e tertúlias culturais, destacando-se os serões a ouvir Gal Costa e Jorge Amado, como recorda a atual proprietária, Margarida Pamplona.
A casa seiscentista, além de morada de família, é o ponto de partida para uma viagem através de nove séculos de história, e uma referencia arquitetónica e social nacional.