As competências atribuídas ao Poder Local variaram ao longo do tempo, reflexo das transformações políticas e sociais que Portugal atravessou ao longo da sua, já longa, história. Algumas dessas competências foram efémeras, enquanto outras perduram até aos dias de hoje. Mas algumas, além de desconhecidas, merecem um apontamento especial pela sua singularidade.
Afinal de contas, sabia que o Município de Gondomar emitiu o seu próprio dinheiro durante a Primeira República? Vejamos então, como tudo começou.
Com a implantação da República, a 5 de outubro de 1910, o novo regime instituiu rapidamente alterações na sociedade. Além das óbvias alterações de cariz político e social, também foi necessário proceder a alterações de cariz económico e financeiro. A alteração da unidade monetária foi uma dessas mudanças. Com a instituição de uma nova unidade modificaram-se os títulos das moedas, o seu peso e liga, porém, tudo conjugado de forma a não alterar o seu valor real.
Em 22 de maio de 1911, através de decreto-lei, foi adotada como unidade de cunhagem monetária, o escudo (divisível em 100 centavos), moeda de ouro equivalente ao antigo décimo de coroa, com o valor de 1000 réis, e que só apareceu como ensaio. Do mesmo modo, existiram moedas de cinco escudos, de ouro, de 1920, que não chegaram a entrar em circulação.
No entanto, após o início da Grande Guerra (1914), a instabilidade politica e social agravou-se, dando início a uma crise económica e financeira. A enorme desvalorização do escudo teve como consequência a perda do poder de aquisição da moeda por parte da população, levando a moeda metálica, cujo valor intrínseco ultrapassava o nominal, a desaparecer de circulação.
Nos primeiros anos da década de 1920, a inflação disparou tão abruptamente que o Governo se viu forçado a criar a nota de 1000 escudos (até então, a de 100 escudos era a mais alta). Mas em pouco tempo também essa nota desvalorizou e o País mergulhou numa espiral de desvalorização monetária, já que o escudo desvalorizava mais depressa do que o ritmo a que se conseguia imprimir notas.
O País debatia-se com uma dívida pública milionária, fruto das dívidas de guerra por pagar. O escudo valia tão pouco que, efetivamente, compensava guardar as moedas pelo valor metálico que tinham. Como a população necessitava de moeda de troca, para as transações diárias, o Governo autorizou a Casa da Moeda a emitir cédulas que se destinavam a substituir as moedas de cinco, 10 e 20 centavos.
A medida, no entanto, não foi suficiente acabando o Governo por permitir a autorização da emissão desse papel por parte das Câmaras Municipais dentro da área dos respetivos concelhos. Mais tarde, com o agravar da situação, generalizou-se a emissão por parte de outras entidades, como Misericórdias e até empresas privadas.
Gondomar não foi exceção, com a Câmara Municipal a emitir cédulas no valor de um, dois, cinco. 10 e 20 centavos. Neste papel-moeda gondomarense, motivos como o Monte Crasto (Monte do Crasto, como se referiam à época) eram representados no verso das cédulas, com cada município a ter liberdade na escolha dos temas.
Todas estas emissões, incluindo as das autarquias, foram feitas ilegalmente, mas toleradas pela sua utilidade pública e circulação restrita. Tirando as emissões da Casa da Moeda e Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que tinham circulação nacional, as restantes destinavam-se a suprir a necessidade de moeda a nível local, sendo o seu uso restrito ao concelho emissor.
Em regra, estas moedas-papel continham um valor entre um e cinco centavos, por vezes até de maior valor e perduraram entre os anos de 1917 a 1925, tendo já o governo proibido a sua circulação em 1924, mas só após a revolução de 28 de maio de 1926 é que começaram a desaparecer definitivamente com a emissão em massa, de moeda de pequeno valor.
Este processo iniciado durante a guerra foi utilizado, dentro dos espaços territoriais de 178 concelhos do País, sendo que os municípios de Lisboa e Porto não seguiram esta prática. Nas duas maiores cidades do País coube às misericórdias e aos privados a emissão dessas cédulas. Era possível até pagar e receber trocos no Café “A Brasileira” com as cédulas emitidas pelo próprio estabelecimento. É que, desaparecidas as moedas, as casas comerciais emitiam talões para os trocos que aceitavam de volta em pagamento.
Todo o País viveu à custa deste dinheiro espontâneo, improvisado em farrapos de papel ou discos de lata, impressos, datilografados ou apenas manuscritos, com ou sem carimbo ou assinatura. Seria assim até ao final da Primeira República.