Fintou o destino e, pelas suas mãos, destinadas a retirar carvão das minas, passaram e continuam a passar milhares de documentos que o tornam guardião das memórias da sua terra, São Pedro da Cova.
Nasceu a 24 de janeiro de 1936, na casa do seu bisavô, na vila de São Pedro da Cova. Desde pequeno que se destacou pelos dotes de jogador de futebol, sinónimo naqueles tempos de jogos entre gaiatos com uma simples bola de trapos.
O talento pelo futebol valeu-lhe o apelido que adotou como pseudónimo e pelo qual todos o tratam até aos dias de hoje. Tornou-se o “Mazola”, em homenagem a Valentino Mazzola, jogador do “Grande Torino”, clube dominador do futebol italiano nos anos 1940. Mesmo depois da morte trágica do craque de Itália, num desastre de avião em 1949, que vitimou toda a equipa, nunca abandonou o apelido.
Os seus pais eram trabalhadores nas minas de São Pedro da Cova, onde o carvão de pedra fora descoberto em 1795. Estudou na escola das minas, em Vila Verde, e rapidamente se apaixonou pelas letras. Os professores viam-lhe potencial, mas ao completar a quarta classe teve de, a exemplo do que era habitual na época, abandonar os estudos. Os seus pais, conhecedores da dureza das minas, puseram então o jovem Serafim a trabalhar numa oficina de ourives, em Tardariz. Também foi marceneiro e serralheiro, até assentar como empregado na Fábrica de Tecidos “A Invencível”, no Porto.
O serviço militar trocou-lhe as voltas. Foi na viagem de comboio a caminho do destino onde cumpriria serviço que começou a escrever um diário, que continuou a “alimentar” durante os anos em que lá esteve. Assumiu a função de escriturário no Entroncamento, em Tancos e em Santa Margarida e quando regressou já não quis voltar ao trabalho na fábrica.
Tornou-se então delegado de propaganda médica. Era bem-falante e com experiência no teatro, pelo que a adaptação às novas funções foi rápida, mesmo não sabendo línguas estrangeiras. Nesta profissão veio a conhecer médicos, professores e eruditos. Serão estes, nas suas próprias palavras, “ os seus mestres”.
A paixão pelas letras levou-o a escrever em jornais da terra. Primeiro em ”A Sopa dos Pobres”, depois em “A Voz de Ermesinde”, a seguir no “Correio do Douro” e no “Comércio de Gondomar”. Em 1961, com Germano Silva, fundou “A Voz Padroense”. Sozinho, em 1975, criou “O Diálogo”, jornal quinzenal indispensável para conhecer a história de São Pedro da Cova.
Chegou depois aos jornais nacionais. Ganhou espaço em publicações de destaque, como o “Jornal de Notícias” ou o “Comércio do Porto”, e foi escrevendo cada vez mais poesia e fazendo cada vez mais pesquisa. As viagens para o Arquivo Distrital do Porto, para a Casa do Infante e, até, para a Torre do Tombo tornaram-se rotina para Serafim Gesta.
Publicou quase 30 títulos, o primeiro dos quais em 1971 intitulado “Esta é a nossa bandeira”. A maioria aborda a temática das minas de São Pedro da Cova, como o “Um Grito Rompe o Silêncio”, obra com dezenas de depoimentos de quem trabalhou nas minas.
Mas muitos outros se destacam: “O Culto dos Mortos em São Pedro da Cova”, “As Minas e o Fado Operário”, o “Folclore de São Pedro da Cova”, “Os Alemães em São Pedro da Cova”, “Vozes do Subsolo”. Na sua bibliografia existem ainda obras que passam as fronteiras da sua terra natal, embora quase todas centradas no concelho de Gondomar: “Inventário da Igreja de Gondomar, Gondomar: os confrontos sociais no Alto do Concelho” ou uma biografia sobre Joaquina Pereira de França, “De Gondomar, a Primeira Mulher de Camilo”.
A sua participação na história social de Gondomar não se cinge aos aspetos culturais. Serafim Gesta foi militante do Movimento Democrático Português (MDP/CDE), no qual participou em todas as atividades deste movimento no concelho e foi sempre uma das vozes mais interventivas na defesa das gentes de São Pedro da Cova. Em 1993, ofereceu parte do seu espólio à Escola Secundária de São Pedro da Cova, constituindo o “Fundo Mazola”.
Serafim Gesta, o “Mazola”, é hoje um poeta, escritor e historiador. E continua a guardar consigo a vida dos antigos mineiros de São Pedro da Cova para os salvar do esquecimento.